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Mulheres guardiãs de memórias

A coragem e dedicação de duas mulheres para manter vivas relíquias do passado, poesia e literatura.

Por Mariele Araújo

Rayane Maianara

Não era o gosto pelos bordados de renda ou crochê, pela culinária, por vestidos ou qualquer outra marca do universo juvenil feminino daquela época. Era a paixão pela literatura, o encantamento das palavras, o fascínio da curiosidade e da memória. Zelma Bezerra Furtado, aos 16 anos começou a enveredar pela atividade literária a partir de uma pesquisa sobre as origens e desmembramentos de sua família. Lourival Bezerra, o pai amigo e incentivador. Lá estava ela, Zelma, predestinada a ser guardião de memórias.

Filha de Maria Elizabeth Bezerra Furtado e terceira de cinco irmãs, potiguar, natalense. Zelma Furtado queria saber mais sobre a família Bezerra. O despertar dessa história genealógica chegou a originar a construção de um museu da família no município de São Tomé, mas revelou também a mulher que seria eximia pesquisadora de destaques femininos do Rio Grande do Norte.

A moça, que se alfabetizara na Escola do Movimento de Educação Popular “De pé no chão também se aprende a ler”, escreveu seu primeiro livro de poesias “ No Ritmo da Chuva” em 1980. A escritora estava alí, como marca da personalidade de Zelma, que ainda no ginásio foi premiada no Concurso Nacional de Literatura Aurélio Buarque.

Em 1989 idealizou e ajudou a implantar a Biblioteca do Educador da Secretaria Municipal de Educação, que hoje integra o Centro Municipal de Referencia em Educação Aluízio Alves. Graduada em pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN (1980-83), educar sempre foi também sua vocação, impulsionada pela força e liderança.

Certa do poder, competência e habilidade das mulheres, Zelma Bezerra Furtado foi seduzida por revelar potências feministas, quando por duas décadas desenvolveu pesquisas históricas sobre o pioneirismo feminino. “Sempre tive um pouco de feminista e um pai que não discriminava a mulher por ser mulher. Recebi dele todo apoio”, disse Zelma. A escritora e pedagoga, que ao iniciar na Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil começou a expandir conhecimentos com as potiguares, originando assim esse trabalho.

Estamos falando daquela que fundou a Academia Feminina Norte-Rio-Grandense de Letras e o Memorial da Mulher no RN. O jurista Jurandir Navarro em seu livro “Rio Grande do Norte, o Trabalho e sua Grandeza”, diz: A vontade resoluta, impulsionada pela luz da razão, faz dessa mulher intelectual uma autentica líder dentre os que mourejam na área cultural no RN [...].

O pioneirismo das mulheres também foi objeto de escrita de Zelma na coluna “Ellas por Ela”, no Jornal de Natal em 2001. Zelma Furtado recebeu a Medalha de Mérito Nísia Floresta, do conselho Municipal dos Direitos da Mulher e das Minorias – CMDMM, da Prefeitura do Natal, o Trofeu Potiguar, do Governo do Estado, entre outros.

O fruto de décadas de dedicação à literatura, educação e pesquisa está no acervo presente da biblioteca de sua casa. Cada caixa, documento, carta, fotografia, livro ou até mesmo dedicatória está lá, guardada em sua fortaleza literária e cultural, cuidadosamente separadas. “Ser mulher não é fácil, poético como pode parecer. Sou casada, tenho filhos, uma casa, um trabalho que exige muito e uma busca constante para fazer o meu melhor”, disse a escritora, biógrafa, educadora e genealogista.

Zelma é considerada a guardiã de histórias, poesias e literatura, cada uma do seu jeito e no seu tempo. Reveladora de mulheres que quebraram tabus, reviraram costumes e abriram caminhos fazendo-as vivas para nosso convívio neste século, trazendo-as para o nosso tempo.

Colecionadora de sentimentos

Das doces lembranças maternas e da tradição familiar de guardar objetos e mostrar a história de cada um deles, surgiu o Museu Rural Auta Pinheiro Bezerra, na Fazenda Boa Hora em Santa Cruz.

Assim, da coragem e do imaginário feminino, começou o primeiro museu da cidade que guarda relíquias históricas, como fotos, documentos e muitas informações que merecem serem compartilhadas. A responsável pelo museu é Cleudia Bezerra que motivada pelas memórias e pertences de sua mãe, restaurou a propriedade da família.

O Auta Pinheiro teve início como um local de exposição dos pertences dos Bezerra mas cresceu e com mais de 3 mil peças virou o maior museu do Trairí, incorporando peças regionais ao acervo familiar. Hoje a propriedade recebe estudantes e grupos turísticos de todo o Brasil.

Mais do que coleção de objetos, o museu que fica localizado junto ao Planalto da Borborema, possui 5 trilhas com árvores da caatinga que estavam em extinção. Mais de 40 espécies vegetais foram catalogadas. No começo da trilha, que contém a Pedra do Sapo, do Jurití e do Chapéu, há uma oiticica secular, próximo a um riacho, onde foi inaugurado um altar em seus galhos com os 3 santos padroeiros da fazenda, Santa Rita, Nossa Senhora do Rosário e São Francisco.

“Comecei utilizando meus recursos particulares, adquiri objetos e fui somando ao que nossa família possuía, como um moedor de cana, carro de boi e casa de farinha. Além da parte sentimental sobre o hábito de minha mãe, eu também tinha um desejo de transmitir para os outros. Eu não queria que a existência da minha mãe fosse esquecida com sua morte. Além disso, fui por 35 anos professora de geografia e ciências sociais e queria passar as minhas viagens e experiências para outras pessoas”, explicou Cleudia.

Auta Pinheiro Bezerra, a inspiração para a criação do museu, faleceu com 90 anos. Segundo sua filha, ela foi uma mulher rústica e rural que saiu da fazenda para a cidade após a morte do marido. Muito atuante tornou-se líder na igreja e era a responsável pela noite dos agricultores em Santa Cruz. Uma mulher de pouco estudo, submissa ao marido, que passou a atuar como uma liderança na região.

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