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Jovens promessas

A história de seis potiguares que já são referência em suas áreas de atuação e representam um universo de pessoas entre 15 e 29 anos que estão arregaçando as mangas, indo à luta, transformando sonhos em realidade e se tornando conhecidas para além das fronteiras do Rio Grande do Norte

Por Tallyson Moura

O tamanho da população jovem potiguar –assim como acontece no Brasil e no mundo – nunca foi e nunca será tão grande quanto o desta década. São cerca de 900 mil pessoas na faixa entre 15 e 29 anos de idade. É mais que um quarto da população do Rio Grande do Norte que, segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), soma 3,168 milhões de habitantes. Esta é a chamada ‘onda jovem’ que a partir de 2020 não passará de marola, mas deixará reflexos.

A onda reverbera em um fenômeno denominado bônus demográfico, no qual o peso da população economicamente ativa supera o da população dependente – crianças e idosos. Mais do que nunca, é a juventude quem está construindo o futuro. Ao seu modo, obviamente. Como bem disse o escritor Victor Hugo, “Nos olhos do jovem, arde a chama”.

E o NÓS, DO RN foi buscar nomes que, acredita-se, serão lembrados nas próximas décadas, quando, aos poucos, os adultos e idosos passarão a ser maioria. São promessas potiguares no esporte, na arte e na cultura, que fazem jus às palavras do autor do clássico ‘Os Miseráveis’, que exaltava a energia e otimismo dos jovens, colocando-os sempre como uma das maiores forças motrizes da sociedade.

Elisa Elsie e Mariana do Vale

Atleta na raça
É de um norte-rio-grandense a medalha de ouro dos 110m com barreira do último Campeonato Mundial de Atletismo Escolar, realizado na China, em junho deste ano. Pedro Hiaggo Natan conquistou o título após consagrar-se campeão brasileiro, defendendo a Escola Estadual Querubina Silveira onde faz o terceiro ano do Ensino Médio, no município de Cerro Corá.

Ainda este ano, o jovem de 18 anos deve participar de duas competições importantes. Uma delas, o Panamericano Escolar, cuja medalha de ouro pretende conquistar com a mesma garra com que tem abocanhado títulos nos últimos anos. Não ter medo das dificuldades parece ser característica essencial aos jovens como ele. “Eu sou campeão mundial em barreiras e nunca treinei com barreiras oficiais. A gente treina com barreiras feitas com cano de PVC, em um campo de futebol da cidade”, revela o jovem que é promessa do Atletismo Potiguar, que pode vir a continuar uma história iniciada por atletas como a curraisnovense Magnólia Figueiredo. “A gente treina na raça, por amor”.

Em 2016, ano de Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, a grande preocupação de Pedro é com o Mundial Juvenil que será realizado na Rússia. Mas isso não quer dizer que representar o Brasil nas Olímpiadas – como fez seu conterrâneo e ídolo Vicente Lenilson, medalhista em Sidney – está fora de sua lista metas. “Eu quero e meu treinador quer também. Mas não é nossa prioridade por enquanto”.

A paixão por esportes sempre existiu, mas a afinidade com o atletismo surgiu por acaso. Após insistência de seu atual treinador, Edilson Oliveira, Pedro começou a correr, mas sem abandonar o futebol, o basquete e o boxe. O excesso de atividades físicas atrapalhava o desempenho na pista e, mesmo assim, começou a ter bons resultados. Só depois de 2010, quando se classificou para a etapa nacional dos Jogos da Juventude, em Fortaleza, começou a levar o esporte que o consagraria campeão mundial mais a sério.

Desde então, assumiu uma rotina de treinamento que o fez campeão brasileiro neste ano e o classificou para o mundial, de onde trouxe duas medalhas. Além do ouro nos 200 metros, Pedro conquistou a prata no revezamento medley. “Treino todos os dias”, afirmou aponta como o segredo dos seus bons resultados a dedicação. “Pra ser campeão mundial, abri mão de muitas coisas. Deixei de fazer muita coisa, deixe de sair para muitas festas. e sou escoteiro também, o que me ajudou bastante”, conta.

Natan não consegue calcular até quando seu corpo estará apto para a atividade. De uma coisa, entretanto, não tem dúvida. Quer viver disso. “Quero ser atleta profissional, quero continuar ganhando e quero ser, quem sabe, campeão olímpico”. E quando tiver que parar de competir, espera poder ser um treinador.

Elisa Elsie e Mariana do Vale

Descoberta fluida
“Acho que eu sempre fui artista”. A frase parece meio clichê, mas soa com peso quando dita pela boca pintada de um jovem natalense de 18 anos que descobriu e incorporou a arte ao corpo de uma maneira própria. Os cabelos em dreads e os olhos iluminados com sombra compõem um visual único, marca de Pedro Fasanaro, ator premiado, jovem promessa na dramaturgia.

Com o filme Sailor, de Victor Ciriaco, foi eleito o melhor ator de dois festivais, na Paraíba e no Rio de Janeiro. E este foi só o seu primeiro trabalho em Cinema, vertente que descobriu recentemente. Até então sua convicção era o teatro. “Foi mágico. Eu descobri um mundo novo dentro da arte e que me encantava tanto quanto o teatro, mas que ainda assim é muito diferente. São linguagens muito distintas, no sentido de produção e de processo criativo. Descobri outra paixão e hoje está assim: 50% e 50%”, afirmou ele, que já está trabalhando em outro filme, Ainda Não lhe Fiz Uma Canção de Amor, do jornalista e diretor Henrique Arruda.

Fasanaro, hoje estudante de licenciatura em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), não sabe dizer ao certo se foi ele quem descobriu o teatro ou o contrário. Mas esta parceria começou ainda aos 11 anos de idade, numa época em que - bem diferente de hoje - ele preferia passar despercebido. No Colégio Salesiano São José, na Ribeira, ele fez uma adaptação do espetáculo Moulin Rouge e, pouco tempo depois, a escola abriu um grupo de teatro.

“No começo eu era muito tímido, mas depois fui descobrindo que aquilo tinha possibilidade de se transformar em algo que eu pudesse gostar no futuro. A descoberta foi muito fluida. E depois de algum tempo, notei que podia pesquisar mais. O teatro de escola já estava pouco para minha necessidade”, lembra. Foi quando ele decidiu fazer um curso com Juão Nin e Carol Pinheiro, na Cia de Arte Teatro Interrompido. O primeiro trabalho expressivo foi uma apresentação na virada cultural da Ribeira, em dezembro de 2012.

Entrar para o curso de Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte foi, para ele, um importante passo de ingresso na Arte. “A UFRN é um espaço de convívio entre pessoas que estão ali com o mesmo intuito que é fazer arte”, assinala. A participação em grupos de extensão ampliaram os horizontes do artista iniciante, que percorreu os espaços da dança contemporânea ao teatro mais realista. E foi na universidade que ele encontrou o grupo Cruor – time de artistas que ficou famoso na internet após realizar uma intervenção na Universidade em que todos estavam sem roupa – e o Pérola, que começou como um trabalho de extensão e terminou deixando o espaço acadêmico e se transformando em um grupo de teatro.

Paralelo ao trabalho no cinema, e além do Pérola e do Cruor, ele também faz parte da Sociedade T (T de Transgênero), que teve trabalho aprovado recentemente em um edital da Casa da Ribeira.

Ao jovem ator, o futuro ainda não é uma grande preocupação. Contudo, ele afirma ter refletido bastante sobre o que fará daqui para frente. A dúvida é sobre ficar ou partir. “Já existe uma possibilidade do artista se manter aqui na cidade. Existem editais. E além disso, meu curso é uma licenciatura e eu espero dar aula. Mas existir a possibilidade não quer dizer que essas possibilidades sejam múltiplas”, destaca. O receio do jovem é não se acostumar a uma possível queda no ritmo de trabalho. “E não sei se aqui eu consigo manter esse ritmo por muito tempo”, assinalou.

Nacionalmente, admira muito o trabalho de Matheus Nachtergaele. No RN, cita Juão Nin e Carol como referências. “Foram os responsáveis por me colocar aqui”, afirmou. “Mas por mais que eu goste de muita gente, me espelhar é uma coisa muito complicada. Eu tenho descoberto cada vez mais que cada modo de trabalho é único. Admiro muita gente, mas não faço tanta questão de me espelhar em alguém. Quando você se espelha muito tem mais chance de se decepcionar”, concluiu.

Elisa Elsie e Mariana do Vale

Futuro nas passarelas
O sobrenome difícil de pronunciar não é jogo de marketing. Natalie Kuckenburg, 15, nasceu em Hanôver, maior cidade do estado alemão da Baixa Saxónia, onde morou até os 12 anos de idade. É filha de um alemão com um brasileira, mas tem raízes fincadas Rio Grande do Norte, onde mora atualmente com sua mãe, potiguar e natalense. “Eu sempre vinha a Natal passar férias”, revela, em um português perfeito e com leve sotaque nordestino.

Com um 1,80 de altura e cerca de 52 kg, ela não demorou a ser notada como potencial top model. A descoberta aconteceu ainda aos 12 anos de idade, quando conquistou a atenção de um olheiro de moda. Aos 13 anos, venceu o concurso Tráfego Look, organizado pela agência potiguar Tráfego Models, e em 2014, com apenas 14 anos de idade, ficou em segundo lugar na edição brasileira do concurso The Look of the Year, promovido pela Joy Model Management, agência de São Paulo que tem em seu time de modelos nomes como Laís Ribeiro – uma das ‘angels’ da famosa marca de lingerie Victoria’s Secret –, Raica Oliveira e Carol Francischini.

A idade com que a jovem Natalie venceu um concurso e foi absorvida ao casting de uma agência paulista chama atenção pela semelhança com o início da trajetória de Fernanda Tavares, a potiguar de fama internacional. A natalense de pele branca e cabelos negros, também aos 14 anos, foi finalista do concurso Elite Model Look – chamado na época de The Look of the Year, e logo em seguida mudou-se para São Paulo, dando início a sua carreira.

Natalie também pretende mudar-se para São Paulo, maior celeiro da moda nacional, mas somente quando completar 16 anos, idade mínima permitida para atuar na capital paulista. Ansiosa, ela aguarda sua estreia no São Paulo Fashion Week, o que deve acontecer na próxima temporada. “Pretendo dividir apartamento com outras modelos, e começar definitivamente a trabalhar. Tenho muito a agradecer à agência que tem tido toda a paciência do mundo para esperar eu chegar na idade certa”, destacou a jovem, que é, na verdade, uma das grandes apostas da Joy. Ainda este ano, ela deve ir à Itália para participar de um concurso com modelos de todo o mundo.

Pensando no futuro, ela não sabe exatamente o que esperar. Sonha com carreira internacional e se inspira em algumas modelos que foram longe. “Fernanda Tavares, sem dúvida é uma delas. Além de ter tido muito sucesso, é da minha cidade”, afirmou a jovem, citando ainda a uber model brasileira Gisele Bundchen e Heidi Klum, primeira alemã a tornar-se um dos anjos da marca Victoria’s Secret e que hoje trilha carreira de sucesso como apresentadora e atriz.

Elisa Elsie e Mariana do Vale

Força nordestina
A música aconteceu para Elizaldo Alves de maneira natural. A descoberta do talento do rapaz, hoje com 13 anos, aconteceu ainda aos oito, nas reuniões do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), voltado para crianças carentes. “Eu não tinha nem tamanho de gente”, conta, recordando seu engatinhar musical. Hoje, o menino que mora em São Vicente, na região do Seridó, é uma das apostas do programa The Voice Kids, da Rede Globo, com previsão de estreia para janeiro de 2016.

Em tempos em que a internet parece apagar todas as outras formas de sociabilidade, Elizaldo é a prova de que outros espaços resistem e têm grande importância, como a Igreja. Foi sob o altar de São Vicente Férrer, padroeiro do município, que o jovem viu seu talento ser aprimorado. E foi também através do grupo de canto da Igreja que o jovem pôde se inscrever no programa global.

“Meu coordenador do grupo viu que estava acontecendo a inscrição para o programa e perguntou se eu queria participar. Ele pegou autorização com minha mãe, ela incentivou, e gravamos um vídeo”, conta Elizaldo. Pouco tempo depois, a excelente surpresa: o menino passou para a etapa seguinte do processo de seleção, em Fortaleza, o que despertou a solidariedade dos moradores do pequeno município.

A comunidade se reuniu para garantir ao menino a passagem, a hospedagem e roupas em Fortaleza. “Tudo. Ajudaram-me com tudo. Sou muito grato a todo mundo”, afirmou. E deu tudo certo. A família de Elizaldo já recebeu da Rede Globo um pedido de autorização para ser assinado por sua mãe, Maria Daguia, que cuida sozinha dele e de seus dois irmãos.

A vida humilde de Elizaldo, entretanto, o mantém com os pés no chão. “Minha mãe é uma dona de casa. É uma vida simples, mas para mim é muito boa. E eu quero mostrar para todos que existem muitos nordestinos com capacidade para crescer e vencer na vida. Muitos têm um dom de cantar, mas não dão valor a isso”, afirmou o jovem, que não pensa em desistir, mesmo que o resultado no programa não seja o esperado.

“Tem que seguir, mesmo se não for desta vez, eu posso tentar novamente e, quem sabe, me sair melhor”, assegura o garoto, que está no sétimo ano do ensino fundamental e sonha em ser um cantor de Música Católica.

Elisa Elsie e Mariana do Vale

De Angicos ao São Paulo Fashion Week
Já são 12 anos de carreira, a contar de 2003 quando entrou para o curso de Moda da Universidade Potiguar. Wagner Kallieno, 30 anos, conquistou espaço no mundo fashion e hoje desfila ao lado dos grandes nomes da moda no principal evento do segmento no Brasil, o São Paulo Fashion Week. Suas peças ganharam notoriedade nacional, sempre descritas como ousadas, elegantes e femininas. O talento de Kallieno é inquestionável, mas para ir tão longe, revela ele, é necessário mais que isso. É preciso muita dedicação.

“Apesar de ter relativamente rápido o meu reconhecimento, não foi fácil. O trabalho me tomou muitas noites acordado. Foi muito esmero e muita dedicação até chegar aqui”, destacou, lembrando que tem sua marca própria há cinco anos, apenas. “E é preciso tentar. É preciso arriscar”, continuou.

O grande salto de sua carreira se deu em 2010, quando ele venceu o Rio Moda Hype, parte da semana de moda do Rio de Janeiro que tinha como meta descobrir novos talentos.

O potiguar disputou com 580 concorrentes de todo o Brasil e foi o grande vencedor daquela edição. “E eu nem sabia que tinha vencido. Quem me deu a notícia foi um repórter do jornal O Globo que me ligou para fazer uma entrevista”, lembra. Foi naquele momento que ele decidiu lançar sua própria marca.

O estilista que já vestiu a cantora pop Rihanna é natural de Angicos, município localizado na região central potiguar. E foi lá onde ele descobriu com sua avó o desejo de fazer roupas. Em Natal, para onde mudou-se aos sete anos começou a passear pelo mundo da moda. E recentemente, ele retornou à capital do Rio Grande do Norte para o lançamento de um novo projeto. Kallieno foi contemplado pela na Lei de incentivo à cultura Câmara Cascudo, o primeiro do segmento fashion.

O projeto consiste na produção e exibição de um documentário na tevê mostrando todo o processo de montagem de uma coleção, desde a criação até a finalização que é a apresentação do São Paulo Fashion Week. O documentário foi ao ar durante todo o mês de agosto na Band News, transmitida pela Cabo Telecom.

Para o estilista, o projeto abre espaço para que a moda passe a ser vista como uma parte da cultura de um lugar. “Moda é cultura sim. Não entendo como podem dizer que não”, defendeu. “E em Natal existem milhões de talentos, isso é um fato. Mas precisam de bons incentivadores. A moda no RN, mesmo boa, tem preconceito por ser do Nordeste”, ressalta. “É um caminho bem difícil, mas é preciso tentar”, afirmou, destacando que conhece vários talentos no Rio Grande do Norte que não podem ser desperdiçados por falta de coragem. E sua história é um exemplo disso. “Poderia não ter dado certo, mas deu. Se você não tentar, nunca vai saber”, assinalou.

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