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Sopro de vida n’A República

Todo jornal, quando acorda suas máquinas, torna-se uma catedral da liberdade

Por Vicente Serejo*

Thiago Oliveira

Parece até que as forças invisíveis construíram, nesta manhã, 27 de fevereiro de 2015, uma confluência de três séculos. Como se fosse possível o milagre da transcendência de que tanto falava o velho Câmara Cascudo. Aqui se unem e se reúnem as memórias de três séculos. Aquela do século de antes de ontem, dos 1800; aquela de ontem, dos 1900, na qual vivemos grande parte de nossas vidas; e dos anos 2000, este que vivemos hoje, inaugurando e reinaugurando, dentro de nós, a cada instante, a grande alegria que é viver.

Nós estamos diante da varanda do palacete de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão. Nesta varanda, há uma fotografia famosa dele jogando uma partida de gamão com Eloy de Souza. Aqui ele construiu sua vida política. Mas antes que isso acontecesse, ele chegou a Natal, recém formado, para exercer sua profissão de médico, um homem a serviço do bem. Mas uma carta de Tobias Monteiro, um norte-rio-grandense esquecido, jornalista, banqueiro, escritor, premiado pela Academia Brasileira de Letras, um homem que sequer nós conhecemos; e que mereceu um ensaio de Eloy de Souza, ao longo de 70 páginas; Tobias Monteiro faz uma carta ao jovem médico Pedro Velho.

Ideias republicanas
Tobias morava em Petrópolis, no Rio de Janeiro, que abrigava a Cô rte, mas já estava tocado, incendiado pela ideia republicana. Escreve a Pedro Velho, dizendo que ele deveria fundar o Partido Republicano e chefiar a luta. Pedro Velho, que resistia a entrar na política, aceita o convite de Tobias Monteiro. Sabendo que só havia uma forma de iniciar a sua luta - ele que não dispunha de um jornal - contrata as oficinas de um pequeno jornal da Ribeira, 20 edições de um periódico, que precisava ter, no título, a palavra de ordem do seu sonho e da sua luta, daí o nome de A REPÚBLICA.

E com essas 20 edições ele começa a semear a ideia republicana. Era tão precoce no seu brilho, era tão precoce na sua inteligência, que é como disse o próprio Cascudo, um homem que embora tenha vivido 51 anos, foi do tamanho de um século, tal foi o que ele construiu no Rio Grande do Norte. Com 20 edições, ele começa a acordar a cidade dorminhoca, como era aquela Natal com pouco mais de 20 mil almas, entre o Rio Potengi e as lavadeiras do Alecrim. Porque depois de lá, subia-se para o cemitério, aonde só chegavam e moravam os nossos mortos.

Começa a semear a sua ideia republicana, lutando, reunindo nomes. Reúne em torno dele aqueles que acreditavam que o século já não suportava a Monarquia. No final do século 19, já não era mais possível pensar num país monárquico. Era preciso ter ideias próprias, e ele dizia: “Um dia este continente vai se purificar com o regime republicano”. Com essas 20 edições, ele vai construindo seu sonho. Até a véspera do dia 15 de novembro de 1889, da Proclamação da República, ele estava articulado com marechal Deodoro da Fonseca. Antes que o marechal desembainhasse a sua espada, ele lança nas ruas da cidade, a partir da Avenida Rio Branco, Ulisses Caldas, a antiga Princesa Isabel, que se chamava Rua dos Tocos, e Rua da Palha, um manifesto, numa pequena folha de ofício, gritando que a República chegava.

Pedro Velho, com aquela cabeleira leonina, os olhos vivos, morre aos 51 anos, no convés do navio, esperando chegar com vida à sua terra, mas já chega morto. É o grande historiador Domingo de Barros, casado com a sua irmã, que assiste a seus últimos instantes no mar, assim como morreu Gonçalves Dias, sonhando voltar para o Maranhão.

Ressurreição
Que bom que num resto de verão, que numa manhã ainda tocada por esses ventos banzeiros, que mexem com a gente nos meses de janeiro e fevereiro; que bom que um dia qualquer - quem sabe foi antes de assumir o Governo, na solidão da sua luta, porque só ele acreditava no sonho, assim como Pedro Velho, que precisava provar para todos os outros que seu sonho podia ser possível -, quem sabe foi numa manhã dessas que o governador Robinson Faria amanheceu enlouquecido de esperança, sonhando soprar vida outra vez na velha e histórica A REPÚBLICA.

Eu sou testemunha, governador, da primeira ressurreição desse jornal, no governo Cortez Pereira. O senhor não está sozinho. Também ele foi chamado de louco e esse jornal saiu às ruas, retomando uma tradição de quem formou os grandes jornalistas do Rio Grande do Norte, o pensamento político, econômico e literário ao longo de um século. Aqui estiveram grandes nomes do Rio Grande do Norte. Este fez história com Eloy de Souza, que, aos 20 anos Pedro Velho alterou sua idade para 21, para ser deputado federal, porque a lei não permitia a eleição com menos de 20 anos, e a ele entregou o cargo de diretor de redação de A REPÚBLICA.

Eu sou apenas um cônjuge, marido de uma neta torta de Eloy. Não sou nada, mas há em mim uma vaidade de conhecer a obra de Eloy e de guardar parte do seu acervo de livros e artigos, num lugar que o senhor conhece, aquele armazém de livros velhos que eu conservo como uma loucura pessoal, sem cura e sem saída.

Máquinas acordadas
Que bom que essas máquinas estejam acordadas, que bom que o cheiro da tinta, outra vez, venha perfumar a redação. Governador, eu sou um velho dinossauro de redação impressa. Comecei na redação da Rádio Rural, em fevereiro de 1970, há exatamente 45 anos. Eu tenho mais de jornalismo o que tem de vida quase todos os seus auxiliares, principalmente os da área da comunicação, que são jovens e foram meus alunos.

Que bom que o senhor tenha amanhecido enlouquecido de esperança e tenha soprado vida neste velho casarão, neste velho palacete de Pedro Velho, neste jornal, que durante quase 40 anos, ostentou em suas páginas a coluna “Acta Diurna”, a mais importante contribuição cultural de Câmara Cascudo nas páginas de um jornal. Eu estava no sepultamento da senhora sua mãe, e lá você fez uma frase talhada da melhor ternura humana, dizendo: “Toda mãe tem um pouco de Nossa Senhora”. Pois eu venho, não para lhe devolver a mesma ternura na construção da frase, mas para dizer que ajude Paulo Araújo a fazer d’A REPÚBLICA um jornal. Porque todo jornal, quando acorda suas máquinas, quando perfuma a redação com a sua tinta, quando se desdobra em páginas que se abrem sobre nós como asas de liberdade, ele torna-se uma catedral da liberdade.

*Discurso Proferido no relançamento d’A REPÚBLICA.

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