A recuperação de dessalinizadores em todo o Rio Grande do Norte leva não só água potável para a população, mas esperança e qualidade de vida para famílias castigadas pela seca.
Por Ulyana Lima
Canindé Soares
Dona Francisca ensinou bem mais que português e matemática aos moradores da comunidade de Riacho Salgado, em São Paulo do Potengi, município distante 78 km da capital potiguar. Foi através dela, filha do Agreste potiguar, que a população local aprendeu o significado da palavra “persistência”. Para começo de conversa, Francisca não reclamava das dificuldades de uma vida pintada de cinza pela seca. Pergunte a qualquer cidadão dessa localidade quem era Francisca e se prepare para ouvir: “Era uma danada, nunca desistia das coisas que acreditava”.
Numa noite, provavelmente muito quente, de 1997, assistindo televisão na poltrona de casa, dona Francisca ouviu o repórter anunciar que o estado da Bahia estava instalando máquinas capazes de transformar a água salobra do subsolo em água potável, em comunidades do semiárido nordestino. Não contou conversa. Pegou papel e caneta e escreveu uma carta pedindo ao Monsenhor Expedito que intercedesse junto ao governador do Estado para trazer a mesma tecnologia que viu na TV.
Dito e feito, assim aconteceu. Sensibilizado pelas palavras da professora, o padre fez chegar o pedido aos ouvidos do então governador. Em pouco tempo, Riacho Salgado entrava para a história do Rio Grande do Norte como a primeira comunidade do Estado a receber um dessalinizador. Até hoje, as 30 famílias residentes no local continuam sendo abastecidas pelo sistema.
O relato de Nilson de Farias, filho de dona Francisca e operador da máquina, é de alívio. Ele diz que, antes da chegada do dessalinizador, nas estiagens mais rigorosas, os sertanejos, mesmo sem renda, precisavam encontrar uma forma de comprar água mineral para matar a sede. “Com essa máquina a gente tem água pra beber a hora que quiser, essa água é muito boa de tomar”, afirmou.
De 1997 para cá, pedidos semelhantes ao de dona Francisca se multiplicaram. Desde então, a Secretaria do meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh) mantém uma política permanente de manutenção, instalação e recuperação de sistemas de dessalinização em comunidades difusas no interior do Estado. O Rio Grande do Norte se tornou uma referência em dessalinização no Brasil.
A metodologia usada pela Semarh para mobilizar a população que recebe o benefício, bem como os critérios adotados para escolha das comunidades e operadores do sistema, serviram de modelo para a formulação do Programa Água Doce (PAD), iniciativa do Ministério do Meio Ambiente (MMA) que tem como objetivo estabelecer uma política pública permanente de acesso à água de boa qualidade para consumo humano em populações de baixa renda, dispersas nas zonas rurais dos municípios e com difícil acesso à agua.
A atual gestão, através da Semarh, recuperou mais de 100 dessalinizadores e, por meio de um convênio firmado com o PAD, vai implantar 86 sistemas, até dezembro e recuperar mais 34. Das obras que já foram entregues, duas são projetos pilotos implantados no RN: o sistema de dessalinização alimentado por energia solar, na comunidade Maria da Paz, em João Câmara, e a recuperação do sistema de dessalinização da comunidade Caatinga Grande, onde funciona um sistema de produção formado por criação de tilápias e produção de erva-sal (atriplex), que serve de pasto para caprinos, ovinos e bovinos.
O processo de dessalinização produz uma água com nível muito baixo de sal e sem nenhuma impureza. A retirada dos minerais é feita através de membranas e filtros que purificam o líquido. A satisfação em beber essa água transformada está na ponta da língua dos beneficiados. Um fato corriqueiro ao chegar em qualquer comunidade onde haja um dessalinizador é a recepção calorosa com um convite: “Venha ver como essa água é saborosa! Quem disse que água não tem gosto?”, repete, como um mantra, a população.
Para o governador Robinson Faria, investir em dessalinizadores é uma forma de estruturar as comunidades para conviver com a situação de desabastecimento e transformar o cenário de sede que assola a população do semiárido. “Essa seca prolongada tem comprometido o abastecimento de água em diversas regiões do estado. E água de qualidade é um direito básico de qualquer cidadão. Nosso governo vai continuar priorizando ações para atender as necessidades das famílias castigadas pela estiagem”, disse.
Famílias castigadas como a de dona Francisca, mulher guerreira como toda sertaneja, que mudou a história da comunidade onde morava e indiretamente a de centenas de outros conterrâneos que buscavam alternativas para ter acesso a um bem essencial à vida humana. A história de um riacho salgado que virou doce.