A brisa do fim da tarde que segue do mar ao sertão revela uma história de paixão e tragédia desconhecida até agora.
Por José de Paiva Rebouças
Canindé Soares
Existe uma lenda nunca contada no Oeste do Rio Grande do Norte que o mar já foi amante de uma jovem serra desta região. Há milhões de anos, quando os continentes ainda se ajustavam, a costa do norte entrava terra à dentro até os pés do platô que cobre esta vastidão. Entre as numerosas formações rochosas da chapada, uma das serras – a mais distante – ainda jovem senhorita, enviou para o jovem mar uma flor. Choveu naquele dia com relâmpagos e trovoadas assustando os animais pré-históricos gigantes.
Para alcançar sua amante, o amar cismou de avançar entre os desfiladeiros e subir as encostas, mas o planalto era muito íngreme. Sem forças para continuar, entristeceu. Mandou uma neblina e recebeu da jovem serra mais flores perfumadas. O platô, que apenas observava aquela relação, percebeu que o pequeno mar do norte, quase um golfo até então, estava tão entusiasmado com seu amor que mudara o tom de suas correntezas.
A força das águas empurrava as rochas e soltava a areia. A erosão que começara no subsolo ampliando o lençol freático agora sucumbia às cabeceiras das montanhas. O platô pediu-lhe calma e explicou que se continuasse adentrando o sertão com aquela rapidez, acabaria machucando fisicamente a jovem montanha que dependia da terra a seu redor para manter-se de pé. Mas, com ciúmes, o oceano entendeu aquela conversa como uma afronta.
Travou-se uma luta obscura. O mar então passou a disparar rajadas contra a chapada de forma impiedosa. Bilhões de megatons feriam a pedra e as ondas batiam com força espalhando a areia. Do alto, as serras combatiam devolvendo o calor que alteravam as correntes marítimas. O céu escuro lembrava um vulcão explodindo. Animais morriam de calor e fome, a vegetação salgava e morria e um deserto se formou sobre os vales. A jovem serra entristeceu e começou a sucumbir de dor e sofrimento. A decepção com a fúria do amante sobre seus semelhantes destruiu seu semblante.
Sem conseguir uma trégua das águas, a terra decidiu partir. Levantou suas costas e virou-se para o sertão afastando o mar que só então se deu conta de sua loucura.
A jovem serra não acenava mais e a destruição causada pela guerra expunha seus ossos e uma face triste desprotegida. Já não chovia sobre a donzela e a mata verde agora era cinza e sem vida.