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Felicidade para ser vivida

Na busca diária pela euforia, muitas vezes esquecemos que é preciso deixar as portas abertas para que a tristeza nos ensine o que é ser feliz. E felicidade é algo para ser vivido agora!

Por Dinarte Assunção

Ney Douglas Marques

Diz-se que, certa vez, um estrangeiro, em uma jornada de autoconhecimento, deparou-se com a muralha de um mosteiro tibetano. Bateu às portas para ver o que lhe reservava lá dentro e elas se abriram para ele entrar. No largo pátio que se apresentou, um enredo incomum lhe chamou a atenção. Um monge se jogava ao chão, levantava-se, aprumava-se, para, então, novamente se lançar sobre o solo de pedras.

Intrigado, o forasteiro viu a cena se repetir até que não se segurou e foi ao encontro do monge, interrompendo o ato.

— Desculpe-me – começou ele –, mas por que o senhor se joga tanto no chão. Por que se pune?
— Me punir? Jamais – explicou o monge calmamente. – É para mostrar que sempre temos a capacidade de nos levantar.

Em tempos difíceis, onde o pessimismo é comungado por quase todos e no qual um mal parece ter se abatido sobre nossas almas, nos fazendo crer que tudo sempre vai piorar, recordei da parábola do monge. Ela me foi descrita em um momento no qual eu acreditava que tudo estava perdido. Quando as esperanças pareciam ter ido embora, foi esse um dos enredos que me encorajaram a olhar para frente, e dele me lembrei quando fui convidado para escrever sobre felicidade. Repasso-o adiante como uma vacina, na esperança de combater as mazelas que nos atormentam a alma e a ele recorro para lembrar que, assim como podemos sempre nos reerguer, é possível subverter esses tempos terríveis. É possível ser feliz.

Afinal de contas, o que é felicidade? A resposta cabe numa fórmula. Aprendi na filosofia e no programa de 12 passos que aplico à minha vida que felicidade é igual a realidade menos as expectativas. Pausa para absorver uma verdade tão simples. Não tenho poder sobre o passado, e o futuro ainda não chegou. Há uma razão para o tempo atual se chamar presente, pois ele é isso: uma dádiva. Sendo o tempo atual tudo que possuímos, a felicidade não pode caber em outra época senão no instante em que se vive.

Olhar para trás pode implicar em agonia. Há uma perigosa linha tênue entre a saudade da felicidade vivida no passado e a loucura. Quem se deixa se arrastar para o passado cai em agonia. Está destinado às lamentações da autopiedade. Por outro lado, quem foca exclusivamente no futuro, está destinado a ser filho da ansiedade e agonizar quando as expectativas se frustrarem. Portanto, lição número um: felicidade está no tempo atual.

A menção da palavra felicidade inevitavelmente nos leva a pensar em alegria. Toda felicidade plena é alegre, mas nem toda alegria é felicidade. Alegria pode ser fabricada. Cabe em pílulas sintéticas; cabe em drogas. Sinônimo de alegria é euforia. Euforia, meus caros, é um estado físico. As coisas físicas passam. Felicidade é um estado de espírito. É algo maior. Alegria, isoladamente, é egoísta, pois não admite o contraditório da tristeza, que engradece e ensina. A ventura, meu sinônimo predileto de felicidade, comporta tristeza, pois tudo que implica evolução, em crescimento, é o caminho natural que desemboca nesse estado mais amplo de elevação espiritual.

Recordo bem a primeira vez que constatei que tristeza conduz à felicidade, que tristeza também pode ser felicidade. Tendo atravessado uma depressão, questionava-me por que, frequentemente, me deparava entristecido. Nessas ocasiões, fugia com compulsões, comendo, comprando, me exercitando. Um dia, resolvi encarar a tristeza. Deixei ela entrar e conversamos longamente.

A tristeza fazia-me sentir um vazio enorme dentro de mim mesmo. Faltava algo, uma força vital para encarar tudo à volta e não sucumbir. Muitos já experimentaram essa terrível sensação, que chega sorrateira e comprime o peito. A minha experiência já tinha ensinado que tentar preencher tal vazio com a coisa errada só iria piorar a situação. Por algum tempo, tentei preenchê-lo com drogas, depois com sexo e outras compulsões.

No dia em que me libertei, foi quando entendi que a força vital que faltava se chamava amor próprio. Esse, meus caros, é um dos poucos terrenos onde a felicidade pode germinar. Apenas aqueles que se amam verdadeiramente conseguem ser felizes. Não confundam amor próprio com egoísmo. Amar a si mesmo é conseguir se aceitar sem recorrer ao que convencionaram como fundamental para a felicidade. Felicidade não comporta elementos fundamentais, mas essenciais.

Vamos destrinchar esses conceitos. Para saber quando o caminho da felicidade está certo, pensem na diferença entre fundamental e essencial. Dinheiro, por exemplo, é fundamental. Não é essencial. Dinheiro compra reciprocidade, mas não compra respeito, nem amigos, ambos essenciais. Dinheiro causa uma felicidade momentânea, por assim dizer. Sendo tão efêmera, tal felicidade logo se dissipa, gerando a necessidade de mais compras para atingir os níveis de falsa felicidade proporcionados a cada consumo.

Felicidade não pode ter adornos, enfeites. Felicidade é simples. Dispensa acessórios, prescinde suportes. Ela se basta. Na minha caminhada, descobri que consigo ser cada vez mais feliz quando contrario meu ego. A mais difícil das lições que colhi até agora, e, por isso, a mais gratificante das experiências foi a do perdão.

A primeira vez que precisei pedir perdão, meu corpo tremia. Não era apenas um “me desculpe”, mas sim um pedido de quem juntou todo o arrependimento e reconhecia que tinha errado. Meu corpo tremia. Eu transpirava, meu coração batia violentamente. Tentei de todas as maneiras me enganar e justificar meus erros, na esperança de não precisar pedir perdão. Mas entendi que, se quisesse elevar meu espírito, precisava abandonar aquela carga.

De frente ao meu interlocutor, titubeei. Ele nada falava. Respirei fundo antes de encadear com toda a sinceridade: me perdoe pelo mal que lhe fiz. Ele chorou, sorriu e me abraçou. Uma vibração inundou meu corpo. Senti vitalidade e fulgor. Senti a vida. Foi um extraordinário pico de felicidade. Todas as vezes que a tristeza vem à minha porta, me lembro de tomar iniciativas como essa. Por isso que a tristeza me desperta. Quando ela vem, me lembro que há felicidade para ser vivida.

Do mesmo modo, no dia em que decidi perdoar, sem que a pessoa que me fez mal tenha se dirigido a mim em busca de perdão, senti o peso do rancor me deixar. Quando se pratica princípios tão simples, mas tão difíceis, do fundo do coração, a felicidade é a recompensa natural.

Nesses tempos loucos em que a procura da felicidade se desvirtuou, não dá para alcançar o que considero a felicidade em estado bruto. Penso em tal estado como um uma circunstância conde os princípios do amor, da honestidade, do bem são plenamente exercidos. Com todas as imperfeições que nos são inerentes, é impossível chegar lá. Mas, assim como constatei que é tentando aprender a viver que se vive, é buscando a felicidade que se é feliz. A gente erra e tropeça, mas, como o monge, sempre temos a capacidade de nos levantar.

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